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Artigo | Não é catástrofe, é crime

Vista áerea do Centro Histórico e Cais do Porto de Porto Alegre | Imagem: Ricardo StuckertPR/Blógue Jeferson Miola – Cirurgião Dentista aposentado, associado à Astec

Especialistas, acadêmicos e cientistas convergem no diagnóstico de que falhas da Prefeitura na manutenção do sistema de proteção contra enchentes causaram a inundação de Porto Alegre, que poderia ter sido evitada.

Não precisaríamos estar passando por isso. Decididamente não precisaríamos sofrer com tamanha devastação, perda e dor.

Não aconteceu uma catástrofe. Mas catastróficas foram as consequências do evento climático severo. Que poderiam não ter sido catastróficas – ou, pelo menos, não teriam sido de magnitude catastrófica–, se a Prefeitura não tivesse sido negligente, incompetente e irresponsável.

As falhas, todas evitáveis e preveníveis, ocorreram no contexto de um processo contínuo de sucateamento, abandono e desmonte das estruturas e da inteligência técnica das áreas de engenharia, planejamento, gestão hídrica, ambiental e urbanística da cidade.

Este debilitamento da capacidade pública do Município, que é metódica e intencional, integra o ideário do bloco de poder que desde 2005, há 20 anos, se reveza na Prefeitura com sucessivas gestões conservadoras que transformaram a capital gaúcha num laboratório de experimentos ultraliberais radicais.

As oligarquias locais eliminaram barreiras sócio-ambientais modernas e normas urbanas civilizadas para deixar livre o caminho da penetração agressiva sobretudo do capital financeiro e imobiliário no território da cidade, desfigurando a paisagem, degradando as condições ambientais e desprotegendo a população.

A Prefeitura não foi pega desprevenida neste evento climático severo. Desde pelo menos desde 2022, quando da ocorrência de ciclones extratropicais, se sabia que o Rio Grande do Sul é um epicentro mundial de fenômenos climáticos severos.

Depois, em setembro e novembro de 2023, quando o nível do Guaíba atingiu respectivamente 3,18m e 3,46m, houve inundação restrita em algumas áreas da cidade, e então as falhas de manutenção do sistema ficaram patentes.

Não se tratavam de problemas complexos. Menos ainda problemas insanáveis ou onerosos, mas de questões comezinhas, como a falta de borracha de vedação e de parafuso de pressão para fechar e vedar eficientemente as comportas.

Apesar desses sinais todos, o governo do prefeito Sebastião Melo negligenciou, não investiu um único centavo no sistema de proteção contra enchentes e não providenciou sequer o conserto das comportas, das tampas de esgoto e das bombas de água defeituosas.

A Prefeitura tem responsabilidades indiscutíveis pelo descalabro da cidade.

Se o sistema não tivesse falhado como falhou, por falta de manutenção, a única área da cidade que ficaria inundada seria o bairro Sarandi, na região norte, uma vez que o volume do Rio Gravataí fez o Guaíba ultrapassar a cota de 6 metros, que é o limite de nível que o sistema de proteção de enchentes protege.

No entanto, todas demais áreas, como o centro histórico, a Cidade Baixa, o Menino Deus, a zona sul, o 4º Distrito, o aeroporto e outras partes do território não teriam sido inundadas.

Além de responsável pelos efeitos catastróficos do evento climático, a Prefeitura também é responsável pelo atraso inaceitável do fim da inundação da cidade, que poderia terminar em dois ou três dias, se fossem empregadas as soluções técnicas recomendadas por especialistas ao prefeito e sua equipe inepta.

As recomendações são exequíveis e estão ao alcance imediato: mergulhadores para vedar as comportas e impermeabilizar as áreas de infiltração, fechamento hermético de tampas de dutos forçados e energização das casas de bombas que devolvem a água invasora para o Guaíba.

Mesmo com a existência dessa alternativa para acelerar o escoamento das águas, o governo municipal continua irredutível no erro, na incompetência e no negacionismo, sujeitando a cidade a ficar semanas alagada, quando poderia acabar a inundação imediatamente.

Com isso, o governo municipal aumenta os danos, os prejuízos das pessoas e empresas, a economia, e expõe a população ao risco de colapso sanitário.

Na tarde desta 6ª feira, 17/5, a Prefeitura derrubou portões do Muro da Mauá para permitir que a água retida na parte interna da cidade, em cota superior à do Guaíba, pudesse escoar para o Lago.

Detalhe: a Prefeitura não abriu portões, mas derrubou portões do Muro. Significa a destruição de uma barreira física estrutural de contenção de enchentes. Ou seja, mais uma irresponsabilidade absurda da Prefeitura.

E se nos próximos dias o nível do Guaíba voltar a subir consideravelmente, possibilidade mostrada em modelos meteorológicos, isso significa que as águas encontrarão os portões abertos para inundarem a cidade indefesa?

Sebastião Melo faz parte do problema, ele é responsável por sujeitar a população a sofrer consequências catastróficas do evento climático severo. Não merecíamos passar por isso.

Porto Alegre não foi atingida por uma fatalidade inevitável, como sugere a mídia associada à exploração imobiliária inescrupulosa da cidade. Tampouco foi vítima de alguma maldade da natureza ou castigo divino.

A catástrofe poderia ter sido evitada; foi consequência das escolhas ruinosas do governo Melo.

O que aconteceu e continua acontecendo é um crime, e os culpados precisam ser afastados de funções públicas e responsabilizados nas esferas administrativa, cível e criminal. Arruinaram uma linda cidade.

Porto Alegre precisa urgentemente de uma governança para sair desta emergência climática, humana e existencial.

** texto ampliado do artigo Catástrofe e crime, a ser publicado na edição 46 do Grifo, jornal de política e humor.

* Publicação replicada do Blógue de Jeferson Miola, 17 de maio de 2024.

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