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ARTIGO | DMAE: DA EXCELÊNCIA AO DESMONTE EM OITO ANOS

Foto: Divulgação Simpa
Augusto Damiani, engenheiro civil, Mestre em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental IPH/UFRGS, aposentado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, associado e conselheiro da Astec

Introdução

Porto Alegre, a capital de todos os gaúchos, recebeu, pela Lei nº 2.312, de 15 de dezembro de 19611, sua autarquia de água e esgotos, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), criado em substituição a então Secretaria Municipal de Água e Saneamento. A criação visou viabilizar a centralização e profissionalização da gestão e prestação de serviços de abastecimento de água e coleta de esgotos aos munícipes.

A autarquia teve como principal objetivo garantir a autonomia técnica e financeira para gerir o sistema existente e propiciar sua expansão na cidade.

Em 2017, o prefeito Nelson Marquezan Jr. fez diversas intervenções junto ao DMAE, o que levou o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), através do processo 00363-0200/19-42 a concluir, em 18 de dezembro de 2020, que o então prefeito sucateou o DMAE. Este assunto foi amplamente divulgado na imprensa local, vide notícia publicada em Matinal Jornalismo³. Porém, em 2021, o prefeito Sebastião Melo, com uso da Lei Ordinária nº 12.939/20214 alterou a Lei nº 2312/1961 retirou de fato a autonomia financeira e administrativa do DMAE, alterando sua personalidade jurídica.

 

Os Demonstrativos de dados Gerais e o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB/2015) – pouca ampliação da rede, evasão de receitas, diminuição de pessoal e piora no atendimento.

Ao analisarmos os demonstrativos de dados gerais do DMAE, em especial os de 20155 20196 e 20237 podemos observar a evolução do desmonte da autarquia.

1 – A capacidade de reservação de água instalada, em 2016, era 208.447 m3. Já em 2023, esta era de 210.347 m3, apenas 0,91% de incremento em nove anos.

2 – A ampliação das redes de abastecimento também se ampliou de 4.119 km em 2016 para 4.233 km em 2023, com apenas 2,76% de ampliação.

3 – Perdas de faturamento por evasão de receita: 2005 era 13,38%; 2016 era 18,9%; 2023 era 36,3%; em 2024 (por apuração extraoficial), 38,3%; e em 2025 já atinge valores em torno de 50%. Tais valores crescentes de perdas são atribuídos a uma política de terceirização de medição e emissão de faturas, sem a devida fiscalização e gestão necessárias, gerando valores irreais de medição e cobranças abusivas.

Neste cenário, o prefeito Melo busca tranquilizar a população. Em recente entrevista a Zero Hora (ZH)8, no dia 23 de maio de 2025, afirmou “peço desculpa” e “recomendo não pagar”, referindo-se aos valores exorbitantes das contas. Porém, não apresentou nenhuma ação para correção da metodologia de trabalho que vem resultando nos erros de medição.

4 – Em relação ao Sistema de Coleta e Tratamento de Esgotos, muito pouco foi feito, com apenas 10,7% de ampliação de redes de coleta.

Em 2024, com a enchente, a Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) do Sarandi parou de funcionar e até a presente data ainda não opera, está em processo de abandono, sucateamento e depredação. Com isso, o esgoto de 50 mil habitantes está sendo jogado em estado bruto no Rio Gravataí.

5 – O Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB9 e 10) apresentou um conjunto de investimentos em obras que possibilitariam a permanência do pleno abastecimento de água na capital e a ampliação da coleta e tratamento de esgotos a 100% da cidade, sendo 94% até 2025 e 100% até 2035.

Porém, através da análise dos investimentos de ampliação dos dois sistemas de água e esgotos, descontados a manutenção e substituição corretiva de redes e equipamentos e os contratos de crescimento vegetativo, verificou-se que a prefeitura investiu, de 2017 a 2023, pouco menos de R$ 200 milhões. Entretanto, o PMSB previu um investimento, no mesmo período, de mais de R$ 500 milhões no Sistema de Água e de mais de R$ 900 milhões no Sistema de Esgoto. Uma diferença de R$ 1bilhão e 300 milhões.

6 – Conforme previsão do Demonstrativo do DMAE de 2015, o Sistema de Coleta e Tratamento de Esgotos do Sarandi, deveria estar totalmente ampliado e a ETE com seus seis módulos operando. Com isso, a capacidade instalada na cidade seria de 83% em 2020 e 94% em 2025. Contudo, a ETE Sarandi está no mesmo cenário de 2014/2016, o equivalente a capacidade instalada de 80% para a totalidade da cidade. Porém, como a ETE está inoperante desde maio de 2024, a capacidade instalada regrediu às condições de 2012, quando da conclusão do PISA/Sócio Ambiental, atingimos a capacidade instalada de 77% de tratamento. Um retrocesso de 13 anos.

7 – A Estação de Tratamento de Águas (ETA) Ponta do Arado deveria estar em conclusão ou pronta. Porém, houve atrasos no projeto – na licitação e na execução da obra já se acumulam atrasos de dois anos, sem que haja definição de nova licitação. Essa ETA possibilitaria a normalização do abastecimento no extremo-sul e Lomba do Pinheiro. Recentemente, no projeto encaminhado à Câmara de Vereadores de Porto Alegre, a prefeitura estabeleceu a possibilidade dessa ETA vir a ser privatizada, vide notícia publicada em Matinal Jornalismo¹¹. Talvez seja a razão pela qual o DMAE não lançou edital para a retomada dessa obra tão importante para o abastecimento de água da cidade.

8 – A evolução do quadro de servidores tem profundo impacto na qualidade de serviços, seja no tempo de atendimento, seja também na capacidade de restabelecimento operacional pleno, após consertos e manobras. O quadro funcional do departamento vem sendo reduzido drasticamente – passando de 2.402 servidores estatutários em 2005 para 1.498 servidores, incluindo cargos em comissão, estagiários e terceiros, em 2023. Hoje, o quadro se resume a cerca de mil servidores, com 200 em condição de aposentadoria imediata.

Neste cenário, os demonstrativos do DMAE são claros e apresentam o que podemos chamar de mascaramento dos números. Até 2019, os índices de atendimento eram avaliados pela capacidade de atendimento em 24 horas. A partir de 2020, passaram a ser avaliados em 36 horas. Mesmo considerando somente os números brutos, sem considerar 24 ou 36 horas, a perda de qualidade e eficiência é grande.

Tabela 1 – Índice de atendimento:

% Água 24 hr %Água 36 hr % esgoto 24 hr % esgoto 36Hr
2005 97,9 87,5
2007 88,5 78,1
2019 85,5 75,9 92,8 83,0
2023 74,85 84,8

 

Este levantamento apresenta dados até dezembro de 2023, uma vez que o DMAE não liberou o demonstrativo de dados gerais de 2024.

Em janeiro de 2024, o DMAE possuía cerca de R$ 430 milhões em aplicações financeiras. Hoje não tem nem a metade – dinheiro este que deveria ter sido investido na implantação da universalização dos sistemas, conforme cronograma no PMSB/2015. Isto possibilitaria o avanço e melhoria do atendimento no abastecimento de água, eliminando entre outros problemas a falta de água na Lomba do Pinheiro. Assim já teríamos 94% de capacidade instalada no tratamento de esgoto.  Mas os recursos foram estocados, evitando a implantação do conjunto de obras do PMSB sem justificativa.

Conclui-se que o contingenciamento desses recursos financeiros foi utilizado unicamente para mascarar a capacidade do DMAE de atingir a meta do Marco de Saneamento com relação à universalização dos Serviços, procurando, através dessa versão falaciosa, demonstrar que o DMAE não possui capacidade de cumprir o marco legal de saneamento e, portanto, deveria ser privatizado.

Entretanto, o que de fato fica demonstrado, é que nos últimos oito anos o DMAE foi propositalmente mal administrado visando seu sucateamento e privatização.

REFERÊNCIAS

1 – PORTO ALEGRE lei nº 2312, de 15 de dezembro de 1961. Cria o Departamento Municipal de Água e Esgotos, extingue a Secretaria Municipal de Água e Saneamento, e dá outras providências. Porto Alegre: Leis Municipais, s.d. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a1/rs/p/porto-alegre/lei-ordinaria/1961/232/2312/lei-ordinaria-n-2312-1961-cria-o-departamento-municipal-de-agua-e-esgotos-extingue-a-secretaria-municipal-de-agua-e-saneamento-e-da-outras-providencias?q=2312. Acesso em: 6 jun. 2025.

2 – PORTO ALEGRE. Tribunal de Contas.  Processo 00363-0200/19-4 – Inspeção Especial. Porto Alegre: 9 de janeiro de 2019. Disponível em: https://portal.tce.rs.gov.br/api/visdoc/anonimo/conteudo/paginavel/PRE/541980/10002531811/inline Acesso em: 6 jun. 2025.

3 – PORTO ALEGRE. Lei nº 12.939, de 23 de dezembro de 2021. Altera o art. 3º e o art. 3º – A da Lei nº 2.312, de 15 de dezembro de 1961 – que cria o Departamento Municipal de Água e Esgotos, extingue a Secretaria Municipal de Água e Saneamento e dá outras providências, e alterações posteriores, dispondo sobre a competência para a prestação dos serviços públicos de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas e de proteção contra as cheias no Município de Porto Alegre; cria e extingue cargos em comissão e funções gratificadas, alterando a Lei nº 6.203, de 3 de outubro de 1988, que estabelece o plano classificado de cargos dos funcionários do Departamento Municipal de Água e Esgotos, e alterações posteriores; e dá outras providências. Disponível em:  https://leismunicipais.com.br/a1/rs/p/porto-alegre/lei-ordinaria/2021/1294/12939/lei-ordinaria-n-12939-2021-altera-o-art-3-e-o-art-3-a-da-lei-n-2312-de-15-de-dezembro-de-1961-que-cria-o-departamento-municipal-de-agua-e-esgotos-extingue-a-secretaria-municipal-de-agua-e-saneamento-e-da-outras-providencias-e-alteracoes-posteriores-dispondo-sobre-a-competencia-para-a-prestacao-dos-servicos-publicos-de-drenagem-e-manejo-das-aguas-pluviais-urbanas-e-de-protecao-contra-as-cheias-no-municipio-de-porto-alegre-cria-e-extingue-cargos-em-comissao-e-funcoes-gratificadas-alterando-a-lei-n-6203-de-3-de-outubro-de-1988-que-estabelece-o-plano-classificado-de-cargos-dos-funcionarios-do-departamento-municipal-de-agua-e-esgotos-e-alteracoes-posteriores-e-da-outras-providencias?q=12939. Acesso em: 6 jun. 2025.

4 – LISBOA, Silvia; ORTIZ, Juan. Marchezan sucateou o Dmae porque queria privatizá-lo, conclui TEC-/RS.   Matinal Jornalismo: Porto Alegre, 10 fev. 2021. Disponível em: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/materias/marchezan-precariza-dmae/. Acesso em: 6 jun. 2025.

5 – PORTO ALEGRE (RS).  Departamento Municipal de Água e Esgotos.  Demonstrativos de Dados Gerais – 2016. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1Xa7Td413y9Hsuk5kFW9dBe95xlhtmydL/view?usp=sharing. Acesso em: 6 jun. 2025.

6 – PORTO ALEGRE (RS).  Departamento Municipal de Água e Esgotos.  Demonstrativos de Dados Gerais- 2020. Porto Alegre: DMAE, 2020. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/dmae/usu_doc/dados_gerais_2020_retificado.pdf. Acesso em: 06 jun. 2025.

7 – PORTO ALEGRE (RS).  Departamento Municipal de Água e Esgotos. Demonstrativos de Dados Gerais- 2023. Porto Alegre: DMAE, 2023. Disponível em: http://prefeitura.poa.br/sites/default/files/usu_doc/sites/dmae/Dados%20Gerais%202023.pdf. Acesso em: 06 jun. 2025.

8 – GUERRA, Giane. “Peço desculpa” e “recomendo não pagar”, diz Melo sobre as contas de água com valores exorbitantes: um leitor da coluna recebeu uma fatura de R$ 7 mil, sendo que gasta normalmente R$ 140.GZH: Porto Alegre, 23/05/2025. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/giane-guerra/noticia/2025/05/peco-desculpa-e-recomendo-nao-pagar-diz-melo-sobre-contas-de-agua-com-valores-exorbitantes-cmaztm41l00d5013bqyjyxpw6.html. Acesso em: 6 jun. 2025.

9 – PORTO ALEGRE (RS).  Departamento Municipal de Água e Esgotos. Departamento de Esgotos Pluviais.  Departamento Municipal de Limpeza Urbana. Diagnóstico. In:  Plano Municipal de Saneamento Básico.  Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 2015. v. 1 232 p. Disponível em: https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/dmae/usu_doc/pmsb_2015_volume_1_diagnostico.pdf. Acesso em: 6 jun. 2025.

10 – PORTO ALEGRE (RS).  Departamento Municipal de Água e Esgotos. Departamento de Esgotos Pluviais.  Departamento Municipal de Limpeza Urbana. Prognósticos, objetivos e metas. In: Plano Municipal de Saneamento Básico. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 2015. v. 2 193 p. Disponível em: https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/dmae/usu_doc/pmsb_2015_volume_2_prognostico_objetivos_e_metas.pdf. Acesso em: 6 jun. 2025.

11 – VALLE, Karine Dalla. Projeto de concessão do DMAE permite o repasse da ETA Ponta do Arado à iniciativa privada.  Matinal: Porto Alegre, 27 de maio 2025. Disponível em: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/reportagem-matinal/brecha-no-pl-do-dmae-permite-repasse-da-estacao-de-tratamento-da-ponta-do-arado-a-iniciativa-privada/. Acesso em: 6 jun. 2025.

 

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