A noite desta quinta-feira, 21 de março, foi de plenário lotado e centenas de municipários na rua, em frente ao portão principal da Câmara Municipal, onde foi realizada a audiência pública que discutiu o PLCE 02/19, Projeto de Lei Complementar do Executivo, proposto pelo prefeito Nelson Marchezan Jr., que destrói a carreira dos funcionários e os serviços públicos da Capital. Foram mais de 20 falas da tribuna, contrapostas aos discursos pró-governo – do secretário adjunto de Planejamento e Gestão, Daniel Rigon, e do vereador Valter Nagelstein – demonstrando que o argumento da falta de recursos, não se sustenta. Ao final, o Simpa sugeriu que seja construído um grupo de trabalho envolvendo Legislativo e servidores para discutir o projeto de lei, uma vez que nunca houve diálogo por parte do governo municipal ao elaborar a matéria.
Ao abrir os trabalhos, sob o comando da presidente da Câmara, vereadora Mônica Leal, o diretor-geral do Simpa, Alberto Terres enfatizou a defesa da cidade e o caráter o projeto: “Nós, municipários, lutamos desde 2017 para garantir nossos direitos em face aos ataques de Marchezan contra o nosso plano de carreira e contra Porto Alegre. Quando fizemos concurso, optamos por servir à cidade com a compreensão de que os serviços públicos são necessários para o crescimento e o desenvolvimento de Porto Alegre”. Terres finalizou pedindo especialmente aos vereadores da situação que ouçam os argumentos colocados pela categoria a fim de barrar o projeto de lei, que deverá ser votado na próxima segunda-feira, 25, quando terá início a greve dos municipários.
O conselheiro da Astec, Adroaldo Corrêa, afirmou que o secretário da Fazenda, Leonardo Busatto, intenciona desconstituir o serviço público de Porto Alegre, para comprá-lo da iniciativa privada, que há anos não conclui as obras da trincheira da Av. Farrapos, da Ponte de Pedra dos Açorianos e outras. O vínculo ideológico entre as esferas municipal, estadual e federal, também foi mencionado pelo conselheiro, em relação às semelhanças das políticas privatistas e no tratamento que desconsidera os servidores públicos em prol do grande capital privado, com empresas que devem impostos à previdência social e não são cobradas.
O governo Marchezan e a corrosão dos salários
A economista do Departamento Intersindical de de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Anelise Manganelli, avaliou as finanças municipais, destacando que, além dos prejuízos impostos pelo PL 02, desde a chegada de Marchezan ao governo, a categoria as perdas acumuladas pela categoria corroem o salário das famílias dos municipários. Até o momento, a falta de reposição inflacionária desde 2017 ocasionou um achatamento salarial de 10,78%, podendo chegar a 11,61% em maio, mês do dissídio. “Parte dos servidores de Porto Alegre recebem vencimentos que somam apenas R$ 960,00, ou seja, duas cestas básicas”, lembrou.
A economista também demonstrou que, em que pesem as dificuldades nacionais, 76% das negociações salariais envolvendo os setores públicos e privados tiveram reajustes acima da inflação; no Rio Grande do Sul, foram 68% nos últimos doze meses e 25% tiveram ao menos a reposição inflacionária.
Quanto ao quadro funcional, Anelise mostrou que houve redução de 1.007 trabalhadores (8%) no serviço público de Porto Alegre em 2018 em relação a 2017, dos quais 222 deixaram o setor por não ser mais atrativo. De 2015 para cá, foram 1.778 servidores a menos diante de uma população que cresce, ainda que a taxas decrescentes. De 2010 a 2018, houve redução de 12% no número de servidores frente ao crescimento de 4% da população, situação que contribui para precarizar o atendimento.
Finanças da Capital
Sobre as finanças do município, Anelise mostrou que a receita tributária cresceu 20,7%, entre 2017 e 2018. Ao mesmo tempo, as despesas com pessoal na ativa tiveram queda de 4,9%, enquanto com aposentados e pensionistas cresceram 8%. Segundo ela, em termos nominais, as despesas com pessoal cresceram apenas 1,6% – o que pode ser considerado estabilidade.
Com relação aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a economista explicou que entre 2011 e 2018, Porto Alegre nunca passou do limite prudencial. Em 2018, o percentual de comprometimento foi de 48,64% (ou 43% conforme metodologia do TCE), enquanto o limite prudencial é de 51,3% e o máximo é de 54%.
Anelise também reafirmou que, no ano passado, houve superávit de R$ 366 milhões nas contas da prefeitura. Quanto às renúncias fiscais, a economista demonstrou que para 2019, foi estimado um valor de R$ 46 milhões em renúncia fiscal, contra R$ 20 milhões em 2018. “Está sendo proposto um projeto que retira direitos de quem serve aos porto-alegrenses, mas ao mesmo tempo está se ampliando, em mais do que o dobro, as renúncias fiscais”, apontou.
O secretário adjunto de Planejamento e Gestão, Daniel Rigon, que representou a prefeitura, repetiu o argumento de que há crise nas finanças, o que justificaria o projeto e outras medidas de contenção, que prejudicam servidores e a prestação dos serviços públicos.
Os números apresentados pelo secretário procuraram demonstrar que entre 2010 e 2018, o crescimento da participação da folha de pagamento no orçamento municipal teria sido de 85,7%. Entretanto, momentos depois, a afirmação do secretário foi desmentida pelo vereador Marcelo Sgarbossa, que apresentou dados disponíveis no Portal da Transparência que apontam um crescimento quase 18 vezes menor, de apenas 4,9%. O parlamentar pediu esclarecimentos que o secretário adjunto encaminhe esclarecimentos por escrito sobre a origem dos números que apresentou, tendo em vista de que não há nenhum indício de que a sua veracidade possa ser comprovada.
O presidente da Associação dos Procuradores de Porto Alegre (APMPA), proc. Cesar Sulzbach, defendeu uma posição técnica de que o PL 02 “parte de uma análise puramente financeira e de curto prazo, sem pensar nas carreiras dos servidores e dos aposentados, além do que, em seu Art. 1º, rasga a lei do Efeito Cascata, construída com uma longa negociação com a participação da Câmara Municipal.”
A perda salarial acumulada pelos técnicos científicos, ao longo de 40 anos de carreira, que será de 55% em relação aos valores de hoje, e a possibilidade de 25 mil ações individuais contra a prefeitura, “o que é muito ruim para o município”, também foram citados pelo procurador.
“A palavra dada não foi cumprida”, declarou o presidente do Simers, méd. Marcelo Matias, referindo-se ao fato de o sindicato ter sido procurado pelo então candidato à prefeitura, Nelson Marchezan Jr., com a proposta de discutir a gestão da saúde da Capital, mas, até hoje, embora as várias solicitações da entidade, os profissionais nunca foram recebidos pelo prefeito.
“Os senhores vereadores deveriam prestar atenção à categoria médica”, recomendou Matias. Segundo ele, o Simers está organizando estrutura jurídica rápida para que, caso o PL 02 seja aprovado, todos os médicos que já tenham completado 25 anos de serviços prestados encaminhem pedido de aposentadoria, o que vai causar um esvaziamento sem precedentes do quadro entre os trabalhadores municipários da saúde. “Os senhores vereadores que prventura votarem a favor deste projeto, se aprovado, terão que dormir com a responsabilidade em seus travesseiros, de deixar Porto Alegre sem médicos”, ressaltou.
Também fizeram uso da palavra para falar a favor dos municipários, o cidadão Felisberto Luisi; a professora e presidente do Conselho Municipal de Educação, Isabel Medeiros; o militante comunitário e pai de aluno da rede municipal, Fabiano Negreiros; a professora Carmen Padilha; a deputada federal Fernanda Melchionna; os deputados estaduais Dr. Thiago e Sofia Cavedon e os vereadores Airto Ferronato, Alex Fraga, Karen Santos e Roberto Robaina; Mauro Zacher; Aldacir Oliboni, Marcelo Sgarbossa, Engenheiro Comassetto e Adeli Sell; e Cláudio Janta, além dos representantes da categoria, Luciane Pereira, diretora do Simpa; Sinthia Meyer, diretora da Atempa; e Alexandre Dias, do Dmae.
Clique aqui e assista a íntegra da audiência pública.
ASTEC – Diretoria Executiva 2019/2020
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