
Noite fria e corações quentes. Assim finalizaram a terça-feira, 24 de junho, as pessoas que participaram do 12º Café Temático da Astec, que debateu, no Auditório do Sindicato dos Municipários (Simpa), “Como Porto Alegre, o Rio Grande do Sul e o Brasil estão tratando o meio ambiente?”. Os painelistas Maria Carmen Sestren Bastos, Paulo Brack e Rosa Rosado apresentaram diferentes enquadramentos sobre a matéria, mas foram unânimes em demonstrar que, em todos os níveis e âmbitos, as políticas públicas ou têm ficado muito aquém do necessário ou, como no caso de Porto Alegre, do RS e do Brasil, têm sido extremamente nocivas ao equilíbrio ambiental e, por consequência, à preservação da vida. Por outro lado, os biólogos concordaram que é preciso resistir e que essa resistência precisa envolver toda a sociedade, com serviços de informação (e combate à desinformação e “fake news“) sobre a importância do equilíbrio ambiental, com ações educativas, de esclarecimento sobre as relações do meio ambiente com diferentes campos da vida e de acolhimento, bem como divulgação tanto de pequenas iniciativas como daquelas mais amplas que possam refletir na legislação, na fiscalização e na instituição de políticas públicas eficazes para manutenção da vida em todas as suas formas.
O painel foi aberto com a apresentação de Maria Carmen Sestren Bastos, que trouxe a temática da valorização do servidor público, exemplificando com um vídeo sobre o Refúgio de Vida Silvestre São Pedro e a Reserva Biológica do Lami, onde após 15 anos esperando pela reforma do telhado da Casa de Pedra, os servidores decidiram se cotizar e, em 15 dias, solucionaram o problema, com recursos próprios. O fato dá uma medida do abandono do poder público nos últimos anos e do empenho dos servidores em possibilitar o seu funcionamento.
“A palavra dos técnicos já foi respeitada. Atualmente, a cada três ou quatro meses, os setores trocam de nome, os setores não têm mais sequer ramais telefônicos onde possam ser localizados. São alterações que impedem que as coisas funcionem. Quando um técnico diz algo que contrarie o interesse dos gestores, mesmo que tenha fundamento técnico, é removido de setor. “Trabalhamos muito tempo com governo de direita, mas ainda éramos valorizados. A partir do governo Marchezan, as estratégias mudaram. Hoje quem está no poder não é apenas de direita, mas de extrema direita neoliberal”, afirmou a bióloga. Segundo ela, é preciso esclarecer as pessoas sobre a necessidade de manter os serviços públicos e de termos representantes na Câmara Municipal, uma vez que o prefeito não pode fazer nada sem a concordância do parlamento.
Na sequência, Paulo Brack abordou o contexto internacional com destaque para os impactos das guerras sobre o meio ambiente e exemplos de lacunas na legislação em vigor no Brasil, no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre. É o caso da Lei nº 6.938/1981, conhecida como Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), uma legislação de suma importância, que estabelece diretrizes e mecanismos para a gestão ambiental no Brasil, com vistas à preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental, buscando o desenvolvimento socioeconômico sustentável e a proteção da vida humana. Na prática, no entanto, não se tem nada sobre espécies em extinção, nem sobre o reconhecimento das prioridades das necessidades dos indígenas.
Brack também chamou a atenção para o papel do Brasil na Divisão Internacional do Trabalho como exportador de matérias-primas.
“A economia brasileira concentra investimentos em grandes obras destinadas à exportação de commodities. O Projeto de Lei nº 2.159/2021 , também conhecido como ‘PL da Devastação’, aprovado pelo Senado Federal, altera normas e diretrizes gerais para o licenciamento ambiental em todo o País, retrocede quase ao processo colonial de destinação de matérias-primas, favorecendo o interesse externo e o grande capital internacional. Por exemplo, em 2024, 52% do petróleo extraído no Brasil, foram destinados ao exterior. O mesmo ocorreu com a soja e o minério de ferro, dentre outros produtos primários brasileiros,” contou o professor. Ele também considerou o novo Código Estadual de Meio Ambiente do RS (Lei nº 15. 434/2020), “uma desgraça”, que permite desde o uso em larga escala de agrotóxicos proibidos em países europeus como o sequestro do espaço agrário gaúcho para o cultivo de eucalipto, soja e celulose destinados à exportação.
Rosa Rosado finalizou o painel com uma apresentação que abre com reflexões sobre como os Yanomami se relacionam com a natureza – por meio dos sonhos que representam a convivência com outros mundos, outros seres – e a importância do estabelecimento de relações respeitosas. Também trouxe as cronologias da legislação sobre Educação Ambiental no Brasil e no mundo e da implantação e evolução do tratamento do tema na Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre (SMED).
“Apesar do desmonte e todos os ataques, há várias experiências de resiliência, amorosidade e compromisso com a regeneração dos espaços escolares e comunitários em Porto Alegre. O Fórum de Educação Ambiental de Porto Alegre (Feapoa) tem buscado apoiar e fortalecer os projetos de Educação Ambiental nas escolas, principalmente diante do desafio das catástrofes climáticas, na qual se impõe a criação de estratégias de superação na luta por justiça socioambiental e climática, pois ensinar a sonhar é preciso!”, considerou a bióloga.
Conforme Rosa Rosado, hoje a capital recicla apenas 3% dos resíduos, um percentual baixíssimo devido, em grande parte, ao esvaziamento da política de reciclagem pela atual gestão da prefeitura. Essa postura segue o ritmo do ‘PL da Devastação’ que, no entendimento da bióloga, autorizou e legalizou os crimes ambientais.
Apesar das “más notícias” que cercam o tema ambiental, os painelistas têm em comum a convicção de que há conquistas importantes. A Feira Agrocecológica do Bom Fim, que funciona nas manhãs de domingo, no Parque Farroupilha (Redenção), é um símbolo da Porto Alegre que resiste, com um movimento ambientalista forte, que nasceu em pleno período do governo militar – movimento este que segue lutando contra medidas desastrosas como o possível licenciamento ambiental para construções em áreas da capital que guardam importante biodiversidade de fauna e flora. Exemplo é o documento nesse sentido, encaminhado ao Ministério Público Estadual, em 25 de junho último, por um dos expoentes desse movimento, o prof. Paulo Brack, que integrou o painel do evento da Astec. Clique aqui e confira o texto do documento.
Antes da abertura do evento, a Astec recepcionou painelistas e convidados com um lanche tipicamente junino, carinhosamente preparado para um momento de confraternização entre os presentes.
Saiba um pouco mais sobre os painelistas
MARIA CARMEN SESTREN BASTOS –Bióloga – UFRGS, Mestre em Botânica – UFRGS, Especialista em Administração Pública – IBGEN e Especialista em Direito Ambiental – Escola Superior do Ministério Público. Servidora da SMED. Durante 20 anos, foi gestora de Unidades de Conservação do Município de Porto Alegre. É conselheira da Astec, gestão 2025-2026.
PAULO BRACK – Biólogo, Mestre em Botânica e Doutor em Ecologia, Professor do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da UFRGS. Membro da Coordenação da ONG InGá e vereador suplente em Porto Alegre pelo PSOL.
ROSA ROSADO – Bióloga, Mestre em Ecologia – UFRGS e Doutora em Geografia – UFRGS. Educadora ambiental e indigenista, articuladora do Fórum de Educação Ambiental de Porto Alegre e do Movimento Pró-Gestão Democrática Ambiental Climática.
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