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Reforma da Previdência Municipal: dívida não é déficit

Adv. Lucas Abal Dias
Escritório Direito Social
Conveniado à Astec

A grande questão que paira em relação às aposentadorias e pensões dos servidores municipais de Porto Alegre é se há ou não déficit no Regime Próprio.

É oportuno recordar que antes da criação do Previmpa, portanto antes mesmo da criação do regime de repartição simples, o ente municipal se comprometia com o pagamento dos benefícios previdenciários, sem que o servidor municipal precisasse contribuir para o sistema. Era o dito regime “não contributivo”. A contribuição era uma opção para o pagamento das pensões, geridas à época pelos montepios. Essa situação gerou uma dívida histórica ao município e deu ensejo à criação do novo sistema contributivo. É importante registrar que o quadro se repetia não só no Município de Porto Alegre, mas na grande maioria dos estados e municípios, além da própria União, que se viram obrigados a modificar os regimes previdenciários.

O novo sistema se tornou uma exigência constitucional, por meio da Emenda Constitucional nº 20/98, de forma que os regimes próprios passassem a exigir a contribuição dos seus servidores, a fim de manter o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário. Assim, junto à criação do novo regime, com a exigência das contribuições dos servidores para a manutenção das pensões, restou consignada a dívida do município em relação a esse “serviço passado”, referente aos servidores que já tinham direito adquirido às regras de aposentadoria anteriormente existentes, e que não poderia ser simplesmente imputado ao novo regime.

Com o novo sistema, sob a forma de regime de caixa – de repartição simples –, passou a existir uma solidariedade entre gerações, pela qual o servidor ativo, junto com o município, contribui para garantir o benefício dos servidores aposentados e pensionistas e, assim, sucessivamente. Em paralelo, caminhava a dívida histórica do Município com o referido “serviço passado”, que não poderia ser distribuída aos servidores, então submetidos ao novo regime. Logo, não se trata de déficit ou insuficiência financeira do sistema, mas de dívida a ser paga exclusivamente pelo ente municipal.

Posteriormente, em 2001, houve uma segregação do regime previdenciário municipal. A segregação diz respeito à mudança na forma de acumulação dos recursos para a garantia dos benefícios previdenciários dos servidores. Criou-se o Regime de Capitalização. A diferença principal é que no sistema capitalizado não há mais a solidariedade entre as gerações, de acordo com a qual há um “compromisso dos atuais com os antigos”. No sistema capitalizado, o benefício se projeta no futuro, considerando a evolução da reserva capitalizada. O que for constituído no fundo capitalizado, servirá para pagar os benefícios no futuro. Não há um diálogo com o passado, mas com o futuro, de acordo com a capitalização dos recursos aportados. Cumpre esclarecer que por esta razão o regime capitalizado comporta desequilíbrios, denominados de déficits e superávits – o primeiro, quando a constituição das reservas no fundo fica aquém do necessário para pagar os benefícios previdenciários; o segundo, quando a reserva capitalizada é superior ao necessário para arcar com o pagamento dos benefícios. O último estudo atuarial do sistema de capitalização do Previmpa registra superávit. De qualquer sorte, o compromisso pela manutenção e saúde desse sistema capitalizado, da mesma forma como ocorre com o regime de repartição simples, é do município.

Assim, atualmente existem dois sistemas previdenciários em vigor no Município de Porto Alegre, um sob a forma de regime de caixa e outro sob a forma de capitalização. Os estudos técnico-atuariais encaminhados oficialmente no Previmpa são claríssimos ao apontar que o problema atual reside no Regime de Repartição Simples, não no sistema de capitalização, e que se trata de uma insuficiência financeira, não de um déficit do regime como um todo. Essa insuficiência financeira decorre, sobretudo, do não aporte, por parte do município, da dívida histórica construída antes da criação do Previmpa, quando os benefícios previdenciários eram “não contributivos”.

Há alguns anos, já vemos esta dívida histórica do município ser repassada aos servidores, por meio do aumento das alíquotas contributivas, como se o sistema previdenciário como um todo fosse deficitário. O aumento das alíquotas, por si só, já vem gerando uma grande insatisfação na categoria municipária. Contudo, a nova reforma da previdência, promete trazer uma situação ainda mais nefasta.

A premissa equivocada de que há déficit no sistema previdenciário dos servidores de Porto Alegre foi a alavanca para a nova Reforma da Previdência, proposta pelo atual governo municipal. A Exposição de Motivos para a propositura do novo texto legal, não deixa dúvidas: “O presente projeto tem por objetivo harmonizar as regras de idades de aposentadorias dos servidores municipais com os servidores públicos federais, além de possibilitar a reversão do déficit histórico do regime […]

A Exposição de Motivos dessa Reforma Previdenciária, que prejudica diretamente as aposentadorias e pensões dos servidores municipais, é composta de uma única lauda, sem acompanhar qualquer estudo atuarial que a autorize.

Podemos concluir, assim, que com o objetivo de mitigar uma dívida do município em relação ao sistema previdenciário de seus servidores, o governo propõe, a toque de caixa, uma reforma previdenciária que, em linhas gerais, afasta no tempo os servidores dos benefícios, elevando as idades, bem como reduz o valor nominal dos benefícios previdenciários, quando no momento de percebê-los. Tudo para que, ao final, possa o “sistema previdenciário” acumular mais recursos a custo dos servidores para cobrir o que perversamente denomina o governo de “déficit histórico do regime”, que honestamente deveria ser denominado de dívida histórica do município.

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