

Introdução
Porto Alegre, a capital de todos os gaúchos, sofreu em 1941 grande inundação da sua região central, do quarto distrito, da cidade baixa e de parte do Menino Deus.
A partir desse evento, o governo federal e o município resolveram realizar estudos e obras para proteger a cidade de novas inundações. No início da década de 1940, começou a canalização do Arroio Dilúvio entre a Rua João Pessoa e a sua foz. A canalização levou 20 anos para ser concluída. Diques com 68 km foram inaugurados em 1970. Entre 1971 e 1974, foram construídos os 2,64 km do Muro da Mauá.
O atual Sistema de Proteção Contra Cheias (SPCC) possui 23 casas de bombas (CBs). Esse sistema foi construído pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS)1 e, posteriormente, operado e ampliado pela prefeitura, através do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), criado em 1973 e extinto em 2017.
Nesse período de 44 anos, o DEP planejou, construiu e operou a drenagem urbana da cidade: elaborou o Caderno de Encargos (CE) para tratar sobre o assunto – o CE/DEP/20042 foi sua última versão; entre 1998 e 2005, concebeu o primeiro Plano Diretor de Drenagem Urbana3 (PDDrU) da cidade; e construiu, em conjunto com demais os órgãos de saneamento, o primeiro Plano Municipal de Saneamento Básico4 (PMSB).
Estes três instrumentos legais (CE/DEP/2004, PDDrU e PMSB) possibilitaram a constituição de um planejamento integrado da drenagem urbana, com o crescimento da cidade à luz do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental5 (PDDUA) de Porto Alegre.
No período de 2017 até 2021, a competência da drenagem ficou compartilhada entre vários órgãos da administração, sem eficácia. Em 2021, a drenagem urbana foi incorporada ao DMAE, mas sem identidade e capacidade de gestão.
Nesse cenário, nos deparamos com alguns avisos da natureza que foram negligenciados. Em 2023, ocorreu a segunda maior cheia desde 1941, com cota de 3,46 m. Os técnicos do extinto DEP, então no DMAE, alertaram, solicitaram diversos consertos e manutenções, mas nada foi feito.
Veio maio de 2024, a cheia atingiu a cota de 5,37 m, segundo os dados apontados pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), gerando a enchente conhecida.
Como previsto, o SPCC falhou porque não houve manutenção nos diques e nas comportas do Muro da Mauá, as tampas herméticas dos condutos forçados vazaram, as comportas das CBs não se fecharam, os poços de descargas estavam abertos. Os diques na zona norte estavam erodidos pela ocupação irregular e por falta de política fundiária. O dique do aeroporto transbordou por falta de fiscalização durante a obra do Salgado Filho. As zonas de passagem de cheias do Rio Gravataí não atingiram seu objetivo, pois foram ocupadas pelo interesse especulativo, com anuência da Administração Municipal.
Com o sistema inoperante, as águas subiram, invadiram as casas de bombas e as bombas pararam, ficou tudo inundado.
O governo federal criou, em 2024, a Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, a qual se reuniu com os municípios atingidos, governo do estado, universidades, órgão federais, especialistas e comunidade atingida para formular um programa de apoio à reconstrução, que culminou no aporte de 6,5 bilhões de reais para as ações necessárias de reconstrução e implementação de sistema de proteção aos municípios atingidos.
2025: um balanço necessário
Passado um ano, é importante fazermos um balanço das ações corretivas que eram necessárias e as que foram implementadas pela prefeitura:
1 – Sistema do Arroio Feijó e Arroio Santo Agostinho
Os Bairros Rubem Berta, Santa Rosa de Lima e Sarandi, foram locais inundados em 2024, que possui estudo de projeto feito pela Metroplan em 2018, prevendo implantação de 4.600 m de dique no arroio Feijó, na cota 7,4 m, e três CBs, 3.540 m de dique no Arroio Santo Agostinho, com cota de 7 m e três CBs, estes com recursos contemplados no Fundo de Reconstrução do RS.
Mesmo com a destinação de recursos federais para a implantação deste projeto ainda em 2024, a situação em 2025 não se alterou, pois nem prefeitura e nem estado contrataram o projeto executivo.
2 – Zona de Passagem de Cheia do Rio Gravataí em Porto Alegre
A região do Sarandi foi totalmente alagada em 2024. Também há estudo de 2018 da Metroplan6 indicando que essa área deveria ser protegida por diques na cota 6,5 m e criada uma zona de passagem de cheia que foi delimitada pelo prolongamento do dique interno do polder (região limítrofe de drenagem de uma CB) CB10/CB9, desde a Av. Assis Brasil até o dique do Arroio da Areia. O projeto foi contemplado com recursos de 6,5 bilhões de reais, do Fundo de Reconstrução.
Em 2025, a situação permanece igual a de 2024, sem a implantação e elevação dos diques à cota 6,5 m. Porém, com o agravante de que a SMAMUS já licenciou dois empreendimentos na zona de passagem após 2018, mesmo com ciência do Plano Metropolitano de Proteção Contra Cheias do Rio Gravataí.
3 – Verificação da cota de proteção na passagem sob a free way junto a Av. Assis Brasil
É necessário que seja feita uma avaliação das cotas de cheia sobre a travessia e, se necessário, implantar ações corretivas de proteção, como a elevação da via, mas, até agora, nada foi feito.
4 – Correção e desocupação do dique do Arroio Passo das Pedras
As obras de recuperação do dique apenas ocorreram no limite do polder da CB9, exatamente na zona de passagem de cheia, onde não era necessária. Mesmo assim, a cota correta é 6,5 m (Metroplan6), mas foi executada pelo município na cota 5,8 m, isto é, 70 cm abaixo do necessário. A desocupação do dique e recomposição estrutural no trecho entre a Av. Assis Brasil e a CB 10, não foi feita por falta de uma política de reassentamento das famílias, que deveria ter sido apresentada pela prefeitura.
5 – Correção do dique do Aeroporto
A execução de obras de proteção contra cheias no Arroio da Areia, dentro do aeroporto, alterou a cota de proteção junto à foz do arroio. O coroamento de proteção foi alterado dos 6,5 m previstos no SPCC para cotas muito inferiores, entre 3,5 e 4,5 m, durante as obras que não receberam a fiscalização do DEP. Falta executar as obras de correção do dique de proteção.
6 – Verificação da cota de proteção junto à passagem sobre a Freeway, no prolongamento da Av. dos Estados e Av. Ernesto Neugebauer
É necessário fazer a verificação das cotas de proteção nessas duas passagens sobre o dique da BR 290, Freeway, e, se necessário, implementar comportas ou corrigir o nível das pistas. Porém, nada foi realizado ainda.
7 – Manutenção dos Condutos Forçados (CF)
É fundamental realizar a manutenção e conserto das tampas herméticas dos condutos forçados Álvaro Chaves, Polônia, Assis Brasil, Carneiro da Fontoura, Areia e Miguel Couto, que sofreram vazamentos em 2023 e 2024, e nos demais condutos forçados de Porto Alegre. Porém, ainda não foi feito.
8 – Manutenção e conserto das 14 comportas do Muro da Mauá
Das comportas danificadas, algumas como a 12 e a 14 sequer estão no local, as comportas não possuem contrato de recuperação.
Nas comportas 8, 9, 10 e 13, eram previstas concretagens, mas ainda nada foi feito nem sequer contratado.
Nas comportas 11, 12 e 14, foram previstas fazer as substituições por novas, mas ainda nada foi contratado.
Nas comportas 1, 2, 4 e 6, foram previstas reformas, que ainda não foram contratadas.
Nas comportas 3, 5 e 7, como previsto, já foram concretadas.
As comportas das janelas e portas da Usina do Gasômetro, extraviadas nas últimas reformas, ainda necessitam substituição.
9 – Recuperação das casas de bombas afetadas pela inundação
Após o evento de 2024, são necessárias reformas elétrica e mecânica de todas as CBs. Porém, exceto as CBs 17 e 18 que receberam obras arquitetônicas e estruturais, nada ainda foi feito, apesar de a prefeitura ter anteprojetos de modernização e ampliação das CBs, elaborados em 2014.
10 – Obras do Quarto Distrito
As obras previstas e necessárias para o Quarto Distrito foram contempladas no Fundo de Reconstrução de 6,5 bilhões de reais. Essas obras possuem contrato de elaboração dos projetos executivos de macrodrenagem, iniciados em 2022. Porém, nenhuma dessas obras foi licitada ainda.
11 – Correção do dique trecho Orla Um (Usina do Gasômetro até a Rótula das Cuias)
Na construção do trecho de urbanização da Orla Um foi feito um rebaixamento do dique junto à Usina do Gasômetro, durante as obras em 2017, pela Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (SMIM), antes da extinção do DEP. É necessário corrigir a cota de coroamento do dique, mas nada foi feito.
12 – Complementação do Coletor Geral das CBs 16 e 13
Durante a enchente de 2024, foram constatadas ligações irregulares diretamente ao Arroio Dilúvio. Para corrigir esse problema, é necessário concluir os coletores gerais das duas CBs, o que evitará que haja refluxo do Lago Guaíba e do Arroio Dilúvio à Rua Praia de Belas e ao bairro Cidade Baixa. Porém, nada ainda foi feito.
13 – Recuperação dos muros de arrimo do Arroio Dilúvio
Desde 2005, com a mudança do sistema de dragagem do Arroio Dilúvio, através do uso sistemático de escavadeiras hidráulicas dentro do leito do arroio, vem se acentuando o desmoronamento constante das paredes e saltos hidráulicos. É necessário estabelecer um projeto de dragagem que preserve a estabilidade do canal, devendo ser licenciado nos setores de projeto de drenagem urbana.
14 – Eliminação da inundação na Rua Estevão Cruz
Foi identificado, na cheia de 2024, que a rua drena diretamente ao Lago Guaíba. É necessário que sejam feitas obras de correção incluindo a rua ao SPCC da cidade.
15 – Implantação de um Sistema de Proteção Contra Cheias na Orla de Ipanema e Lami
A prefeitura vem implantando um projeto paisagístico de bancos contínuos nas duas orlas, o que provocará piora significativa dos eventos de alagamento nos transbordamentos dos arroios, como também em eventos extremos de inundação. Salientamos que a orla da praia do Lami possui projeto de SPCC executivo com dique de proteção apto à licitação. Nenhum estudo está sendo feito na região para amenizar os efeitos do novo paisagismo.
16 – Limpeza e Desobstrução das Redes e Equipamentos de Drenagem
Após um ano da enchente, a prefeitura afirma que limpou cerca de 510 km de galerias e redes de drenagem e que normalizou o funcionamento do sistema de drenagem. Mas, a realidade é outra: em qualquer precipitação média, ocorrem alagamentos severos nas regiões que ficaram inundadas, sejam elas no Menino Deus, Sarandi, Cidade Baixa, Humaitá, Vila Farrapos, Santa Maria Gorete, Centro, Quarto Distrito, entre outros. Isso porque a limpeza contratada foi por hidrojateamento – é sabido que em galerias e grandes diâmetros o hidrojateamento é ineficiente, não limpando e tampouco desobstruindo as redes. Também é necessário limpar as redes de jusante para montante, e não como está sendo feito de formas aleatórias dentro da bacia hidrográfica.
O quadro se agrava na zona norte, pois está com a Estação de tratamento de esgoto do Sarandi desligada há mais de um ano, o que provoca assoreamento e obstruções frequentes na rede pluvial.
A situação continua grave nesses bairros devido ao assoreamento das redes e galerias, com lodo e a falta de reforma nas CBs afetadas pela enchente.
REFERÊNCIAS
DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS E SANEAMENTO (DNOS). Estudo de viabilidade técnico – econômico das obras de defesa de Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo. [s. l.]: [s. n.], 19–?]. 137 p.
METROPLAN. Estudos de concepção anteprojetos de Engenharia de Proteção contra cheias do rio Gravataí e afluentes em Alvorada Porto Alegre/RS. Nota: Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastre Naturais/ Plano Metropolitano de Proteção contra Cheias. [s. l.]: [s. n.], 19–?]. 23 p.
METROPLAN. Termos de referência estudos de concepção e anteprojetos de Engenharia para RDC contratação Integrada (Lei 12.462/2011) para proteção contra cheias do rio Gravataí e afluentes em Alvorada e Porto Alegre- RS. Porto Alegre, [s. n], 2014. 56 p. Nota: produtos 23 e 24.
PORTO ALEGRE (RS). Departamento de Esgotos Pluviais. Caderno de Encargos. Porto Alegre: DEP, 2005. 96 p. Disponível em: https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/dep/usu_doc/ce-dep-2005_completo.pdf. Acesso em: 29 maio de 2025.
PORTO ALEGRE (RS). Departamento de Esgotos Pluviais. Instituto de Pesquisas Hidráulicas. Plano Diretor de Drenagem Urbana: manual de drenagem urbana: volume VI. Porto Alegre: [s.n.], 2005. 167 p. Disponível em: http://pergamumweb.procempa.com.br/pergamumweb/vinculos/00007d/00007d16.pdf . Acesso em: 29 maio de 2025.
PORTO ALEGRE (RS).Lei complementar nº 434, de 1º de dezembro de 1999. Dispõe sobre o desenvolvimento urbano no Município de Porto Alegre, institui o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre e dá outras providências. Porto Alegre: Leis Municipais, 29/08/2024 [data de inserção no Sistema]. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a1/rs/p/porto-alegre/lei-complementar/1999/44/434/lei-complementar-n-434-1999-dispoe-sobre-o-desenvolvimento-urbano-no-municipio-de-porto-alegre-institui-o-plano-diretor-de-desenvolvimento-urbano-ambiental-de-porto-alegre-e-da-outras-providencias?q=434. Acesso em: 29 maio de 2025.
PORTO ALEGRE (RS). Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Plano Municipal de Saneamento Básico: Porto Alegre – volume 1 – diagnóstico. Porto Alegre: DMAE, DEP, DMLU, 2015. 232 p. Disponível em: https://prefeitura.poa.br/sites/default/files/usu_doc/sites/dmae/01_PMSB_Diagn%C3%B3stico_web.pdf. Acesso em: 29 maio de 2025.
Fortaleça a Astec!
Clique aqui e associe-se!
ASTEC – Diretoria Executiva 2025/2026
UNIR, LUTAR E AVANÇAR: EM DEFESA DO SERVIÇO PÚBLICO E DOS SERVIDORES