
Nem a chuva forte sobre Porto Alegre atrapalhou a participação dos inscritos no 13º Café Temático, que debateu “Impostos e Justiça Tributária – isenção de imposto de renda (IR) até 5 mil, correção da tabela do IR, taxação dos super-ricos e financiamento de políticas públicas”, na noite da quinta-feira (04/09), no Auditório do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa). Após a degustação de um lanche carinhosamente preparado pela Astec, reuniu-se uma plateia muito atenta às informações trazidas pela professora Rosa Angela Chieza* e pelo procurador municipal Cláudio Hiran Alves Duarte**, que propuseram uma importante discussão sobre o tema. A coordenação foi da psic. Elaine Rosner Silveira, vice-presidente da Astec.

Com um dos sistemas de tributos mais injustos do mundo, o Brasil tem um Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) que isenta apenas até dois salários mínimos (R$ 3.036). Além da isenção, a tabela progressiva tem mais quatro alíquotas: 7,5%, 15%, 22,5% e a maior delas, 27,5%, que atinge quem percebe salários a partir de R$ 4.664 mensais.
Em relação ao Chile, seguidamente lembrado como exemplo de política econômica liberal bem-sucedida na América Latina, as diferenças são gritantes. No país vizinho, o IRPF tem sete faixas e a maior alíquota é de 40%, incidente em renda mensal equivalente a R$ 121 mil. A isenção chilena vai até o equivalente a R$ 5.285 ao mês. Quem ganha o correspondente a R$ 4.664 ainda está na alíquota de 4%, e somente quem recebe acima de cerca de R$ 32 mil mensais é atingido pela alíquota de 27,5%.
Com base nessas informações, a profª Rosa Chieza considera pouco ousado o Projeto de Lei nº 1.087/2025 – de autoria do governo federal, que tramita no Congresso Nacional, isentando de IR quem ganha até R$ 5 mil por mês a partir de 2026.
“A proposta é muito importante, mas, na minha opinião, pouco ousada, dada a regressividade do sistema tributário brasileiro que faz com que os que menos ganham paguem proporcionalmente mais. Abrindo-se os dados do IRPF de 2022, vê-se que para contribuintes que têm renda média mensal de R$ 23.229,03, a alíquota efetiva (após as deduções de despesas permitidas pela lei) cresce até 12%, mas mostra comportamento regressivo, descendo a partir daí. Assim, para o grupo dos 0,01% mais ricos – grupo
com renda média mensal de R$ 5.251.235,86 – a alíquota atinge 5,67%”, informou Rosa Chieza.
Em sua apresentação, a professora também trouxe informações que dão uma ideia inicial da presença do sistema tributário brasileiro na raiz da desigualdade social. São dados como: “a renda total do 0,1% mais rico cresceu 48,8% acima da inflação entre 2017 e 2023 – cinco vezes o avanço da renda média do brasileiro no mesmo período” e “90% do aumento da concentração no topo – entre os milionários situados nos 0,1% mais ricos – é explicado pelas rendas do capital, sendo 66% atribuídos a lucros e dividendos distribuídos”.
TRIBUTAÇÃO E INJUSTIÇA SOCIAL
Após a apresentação dos dados pela professora Rosa Chieza, o procurador municipal aposentado Cláudio Hiran Alves Duarte destacou a necessidade do papel desempenhado por instituições e entidades que, como a Astec, buscam jogar luz sobre o tema da tributação, na tentativa de que as pessoas compreendam a importância de se mobilizar em torno da luta por maior justiça social.
“A maioria empobrecida é quem suporta o imposto. A desigualdade é funcional. Mesmo em um governo progressista, a desigualdade é apresentada como se fosse um direito à diferença, o que é uma coisa completamente distinta. É preciso resgatar a política para debater interesses conflitantes. Se não nos articularmos, a nossa falta de ação terá consequências desastrosas”, alertou Cláudio Hiran. Segundo ele, o princípio da capacidade contributiva é que deveria nortear a incidência dos tributos. Entretanto, segundo ele, a realidade aponta noutro sentido, com a ideologia jurídica tendo transformado a capacidade contributiva apenas em poder confiscatório. Tanto que o Brasil é o último país do mundo que continua não tributando lucros e dividendos distribuídos e a alíquota de 27,5% de imposto de renda só é cobrada de trabalhador que vive de salário.
O procurador passeou brevemente pela linha do tempo histórico, lembrando as características do Estado aboslutista e as bases do capitalismo, e ainda discorreu sobre o RecuperaPOA – programa de recuperação fiscal da Prefeitura de Porto Alegre que, mais uma vez, neste ano, desde 1°/09 até 31/10, oferece condições especiais para que contribuintes regularizem suas dívidas com o município, com descontos de até 90% em juros e multas para pagamento à vista, além da possibilidade de parcelamento da dívida em até 60 vezes. Na avaliação de Cláudio Hiran, os Refis, que se repetem a cada dois ou três anos na capital gaúcha, são um instrumento muito útil para concentrar renda. Além disso, em uma suposição, se financiadores de campanha soubessem que haveria um Refis, por que ‘antecipariam’ o recolhimento dos impostos? Historicamente, a ferramenta tem beneficiado muito especialmente grandes devedores, afinal, é simples compreender que, por meio do instrumento, quem deve mais se beneficia mais, completando o ciclo do sistema tributário que já é bastante regressivo, desde a previsão legal (tributos indiretos) à sua execução (Refis).
Na edição nº 54 da Revista da Astec, com circulação prevista para dezembro próximo, os palestrantes desse 13º Café Temático, profª Rosa Angela Chieza e proc. munic. Cláudio Hiran Alvez Duarte, estarão entre os articulistas, ampliando a discussão sobre impostos e justiça tributária. Fique de olho e confira!
PALESTRANTES
* Rosa Angela Chieza é Dra. em economia, profª de Economia na graduação e pós-graduação do Mestrado em Economia Profissional (PPECO) e Mestrado Acadêmico em Política Social e Serviço Social (PPGPSSS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Integra o Instituto Justiça Fiscal, associação civil, sem fins lucrativos, com sede em Porto Alegre e atuação em todo o território nacional, com a finalidade de contribuir para o aperfeiçoamento do sistema fiscal com vistas a torná-lo mais justo e capaz de concorrer para a redução das desigualdades sociais e regionais. Pela atuação em prol da cidadania e do controle social, recebeu da Câmara de Vereadores de Porto Alegre o título de Cidadã Honra ao Mérito, em 2016, e o título de Mulher Cidadã, em 2024. Atua na área de pesquisa sobre os temas: Estado, tributação, gasto público, orçamento público e temas afins.
** Cláudio Hiran Alves Duarte é Procurador Municipal, Mestre em Direito e Sociedade, Especialista em Direito Tributário e Direito Internacional Público. Coordenador do Movimento de Humanismo Concreto, associado à Astec e à Associação dos Procuradores pela Democracia.

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